quarta-feira, 1 de junho de 2011

Dia da Criança



O meu menino é d'oiro
É de oiro fino
Não façam caso que é pequenino
O meu menino é d'oiro
D'oiro fagueiro
Hei-de levá-lo no meu veleiro.

Venham aves do céu
Pousar de mansinho
Por sobre os ombros do meu menino
Do meu menino, do meu menino
Venha comigo venham
Que eu não vou só
Levo o menino no meu trenó.

Quantos sonhos ligeiros
pra teu sossego
Menino avaro não tenhas medo
Onde fores no teu sonho
Quero ir contigo
Menino de oiro sou teu amigo

Venham altas montanhas
Ventos do mar
Que o meu menino
Nasceu pra amar
Venha comigo venham
Que eu não vou só
Levo o menino no meu trenó.

O meu menino é d'oiro
É d'oiro é de oiro fino ....

Venham altas montanhas
Ventos do mar ....
(Zeca Afonso)

quinta-feira, 21 de abril de 2011

O INFANTE

O INFANTE

Deus quer, o homem sonha, a obra nasce.
Deus quis que a terra fosse toda uma,
Que o mar unisse, já não separasse.
Sagrou-te, e foste desvendando a espuma,

E a orla branca foi de ilha em continente,
Clareou, correndo, até ao fim do mundo,
E viu-se a terra inteira, de repente,
Surgir, redonda, do azul profundo.

Quem te sagrou criou-te portuguez..
Do mar e nós em ti nos deu sinal.
Cumpriu-se o Mar, e o Império se desfez.
Senhor, falta cumprir-se Portugal!
(Fernando Pessoa)

terça-feira, 18 de janeiro de 2011

Isto

Dizem que finjo ou minto
Tudo que escrevo. Não.
Eu simplesmente sinto
Com a imaginação.
Não uso o coração.

Tudo o que sonho ou passo,
O que me falha ou finda,
É como que um terraço
Sobre outra coisa ainda.
Essa coisa é que é linda.

Por isso escrevo em meio
Do que não está ao pé,
Livre do meu enleio,
Sério do que não é.
Sentir? Sinta quem lê!
(Fernando Pessoa
Cancioneiro)

segunda-feira, 3 de janeiro de 2011

Baladas de uma outra terra

Baladas de uma outra terra, aliadas
Às saudades das fadas, amadas por gnomos idos,
Retinem lívidas ainda aos ouvidos
Dos luares das altas noites aladas...
Pelos canais barcas erradas
Segredam-se rumos descridos...

E tresloucadas ou casadas com o som das baladas,
As fadas são belas e as estrelas
São delas... Ei-las alheadas...

E sao fumos os rumos das barcas sonhadas,
Nos canais fatais iguais de erradas,
As barcas parcas das fadas,
Das fadas aladas e hiemais
E caladas...

Toadas afastadas, irreais, de baladas...
Ais...
(Fernando Pessoa)

quarta-feira, 15 de dezembro de 2010

Entre o sono e sonho,



Entre mim e o que em mim

É o quem eu me suponho

Corre um rio sem fim.


Passou por outras margens,

Diversas mais além,

Naquelas várias viagens

Que todo o rio tem.


Chegou onde hoje habito

A casa que hoje sou.

Passa, se eu me medito;

Se desperto, passou.


E quem me sinto e morre

No que me liga a mim

Dorme onde o rio corre -

Esse rio sem fim.

(Fernando Pessoa)

segunda-feira, 13 de dezembro de 2010

Quando as crianças brincam



Quando as crianças brincam

E eu as oiço brincar,

Qualquer coisa em minha alma

Começa a se alegrar.


E toda aquela infância

Que não tive me vem,

Numa onda de alegria

Que não foi de ninguém.


Se quem fui é enigma,

E quem serei visão,

Quem sou ao menos sinta

Isto no coração.
5-9-1933

Fernando Pessoa